morte e vida

morte e vida

estava lavando a louça dias desses e cortei a mão com uma faca bem afiada. doeu. aquela dor que grita, que penetra, que arrepia os pelinhos do braço e eu só consegui pensar em: "caramba, eu to viva". essa dor me fez talvez lembrar disso. às vezes a gente precisa lembrar da vida. principalmente nesse emaranhado de dias contínuos que tudo vai parecendo uma coisa só. não que toda vez eu precise cortar o dedo pra isso - espero que não. apesar da faca me chamar pra vida, essas últimas semanas venho rondando a morte. não com medo, mas com curiosidade. mas a morte também chama a vida, não é? não to falando da morte real, daquela que tem um corpo no final. mas da morte simbólica, aquela que precisamos passar quando tudo dentro da gente se transforma. quando a gente sente que não cabe mais. vindo carregando meus pensamentos pós leitura de "A morte de Ivan Ilitch" e "Frankenstein", a morte se aproximou dos meus pensamentos. questionamentos sobre o quão a vida é efêmera e se estou a levando do jeito que eu quero - e não o que fui socialmente ensinada e empurrada a ser e fazer. o quão por cima de mim vou passando, por ser mulher principalmente e não praticar a liberdade que deveria ter. e questionando também sobre a criação, (re)nascimento, a criatura que em mim habita e é sempre temida e deixada de lado, escondida. amarrada em regras, em caixas, em tratos que não lembro de ter assinado, vou cada dia me sentindo mais sufocada, cada vez mais apertada, cada vez cabendo menos. e todo aquele mundo que me era tudo, agora vai ficando com tons de cinza. por vezes até chato. até o corte da faca me lembrar que eu to viva. até um outro livro me bater a porta e me mostrar outras possibilidades de tentar sair da normalidade, de tentar enxergar do outro lado do círculo. ah, essas leituras e suas sincronicidades - mas isso já é assunto pra outro texto. enquanto isso, sinto que vou morrendo e vivendo aos poucos, tudo ao mesmo tempo. com a mesma intensidade e com a mesma exaustão.